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Sem veleidades e crises de adultice, no meu B.I., ainda de papel, comprova-se o facto de eu já ser uma pessoa crescida há algum tempo. Para além da altura, acresce-se uma ocasião nos anos 70 do século XX, período onde se inscreve a data mais feliz que Portugal conheceu após a revolução, a do meu nascimento.
Um bocadinho como no reino canino em que todos os cachorros são fofinhos e quando crescem perdem piada, eu já não tenho tanta graça e já pouca gente me atura porque tem obrigação. Ora há uns 18 anos, fazendo um paralelo inteligente e metaforicamente bem conseguido, eu ainda era um país do terceiro mundo. Qual nação em vias de desenvolvimento, eu prometia muito, mas ainda não se via nada. Entrei na adolescência ao tropeção. Sempre ouvi dizer que uma pessoa devia estar preparada para todas as ocasiões. Por azar, falhou-me o guarda-roupa apropriado, uma esfoliação de pele que combatesse uma repetição da erupção do Vesúvio, que desta vez, já não havendo Pompeia para soterrar, haveria de cobrir a minha cara de um acne asqueroso nos largos meses que se seguiram nesses anos míticos, algures entre 1991 e 92.
Os leitores decerto pensarão “coitada, nunca se recompôs”, mas antes que tal pensamento se lhes aflore, digo em minha defesa que na fase mais adiantada desse estádio da minha existência já se conseguia adivinhar a "grande potência" em que me tornaria. Cof, cof. Continuando, dizia eu que a natureza esteve indecisa para operar em mim outras transformações que não apenas a da altura, mas demorou. Ora, o mundo social das pessoas adolescentes é… como dizer… muito básico. A minha explosão hormonal transformou-me, entre um final de ano lectivo e um início do seguinte, na versão feminina do Monstro da Tasmânia: 1 metro e 74 cm e uns 50 quilos muito mal distribuídos, uma farta cabeleira, da responsabilidade de umas hormonas loucas, com tanto volume que poderia levar compras do supermercado aí escondidas que ninguém daria por nada, o tal rosto borbulhoso e borbulhento e uma excepcional inclinação para vestir roupa que me fazia parecer pertencer a um rancho folclórico do interior do Uzbequistão. Não era, portanto, muito popular, romanticamente falando, sendo até apelidada com alcunhas fofinhas daquelas que os contemporâneos adolescentes adoram trocar com os seus pares. E ainda havia um buço hormonal deveras estranho…
E antes que isto descambe... o que é que isso tem a ver com o título do post?
Andava lixada. Devo mesmo constatar que andei bastante irritada e desiludida com os progressos que a mãe natureza operava em mim. Andava eu, duas amigas e um amigo. Claro que nestas coisas de auto comiseração aprendemos logo desde pequeninos que a nossa desdita é sempre a maior e apesar de eu não usar óculos, nem aparelho e não ser extremamente obesa como o resto dos renegados meus amigos, agarrava-me com unhas e dentes ao meu sofrimento, porquanto o maior de todos. E era assim que lá andávamos pela escola: feiinhos, desengonçados e incoerentes, sempre juntos e a alimentar a nossa pseudo-desdita, o que vistas bem as coisas era algo extremamente reconfortante e a centelha para um potencial grupo de terapia (mas isso nós ainda não sabíamos bem o que era). Dizia eu que lá andávamos, assim e juntinhos. Eu com o dossiê A4 forrado de um lado com imagens cinéfilas (lembro-me que havia uma colagem da imagem desse grande filme que foi o “cocktail” com outro clássico da mediocridade adolescente em formato história de surf denominado “ruptura explosiva”, espremidos sem conflito com a ainda “carinha” do Mickey Rourke e da Fay Dunaway no “Barfly”). E do outro lado do dossiê? Do outro lado do dossiê estava o motivo do post.
O Jim Morrison, senhores, e numas 1350 poses diferentes! O trabalho que me deu forrar assim o dossiê. O empenho, a iniciativa, o entusiasmo e, por fim, o êxtase quando maravilhada olhava o resultado final. Era o elo que nos unia colectivamente e uma fonte de introspecção solitária também. Lembro-me que comprei a biografia, editada pela Assírio e Alvim, os outros compraram um LP triplo (um luxo!) gravado e regravado para cassete dezenas de vezes e ainda alguém adquiriu o único livro de poemas do homem, o único que havia editado na altura. Ainda nem o filme do oliver stone tinha estreado e já eu me considerava a seguidora mais fiel dessa banda que eram os Doors. Nem vale a pena referir o que faz um adolescente quando embuído do sentimento da empatia. Para além de se tornar chato comó caraças, fica limitado: letras sabidinhas de cor, os "oh yeahs" todos trauteados no tempo certo, a data de nascimento, a cor preferida, as citações perfeitas que servem como resposta para todos os males do mundo; o número de irmãos, o nome dos pais, o das namoradas, quantos filhos poderia ter tido e outras trivialidades consistentes com a aquisição (que tarda) de uma dose de espiríto crítico; eu juro que até sabia de cor o poema prostrado em cima do "Adagio" do Albinoni. Todinho. E foi assim que de renegada passei a rebelde e como qualquer ostratizada apostei muito na parte intelectual da questão. Interessante a mudança, pois depois da terceira leitura da biografia do homem achei que deveria tentar perceber as influências estético-filosóficas do projecto Doors e lá investi numas leituras que se devem fazer nesse precoce estádio adolescente e que eram mencionadas na dita "obra": o Rimbaud e o walt whitman; o Marcel duchamps e dandaístas, o Artaud e beatnicks posteriores, o Kerouac e o Paul bowles e por aí. Depois passou-me. Mas depois também já não precisava mais dos Doors, nem do ícone terapêutico para adolescentes em crise construído sobre fotografias dum gajo jeitoso, mas com alguns problemas de toxicodependência.
Mas eu fui a Paris. E lá lembrei-me de mim há alguns anos. Lembrei-me de quando queria ir a Paris para ir ao Pére Lachaise e mais nada. Afaguei com indulgência o meu eu adolescente e fiz-lhe a vontade. E ficámos os dois mesmo muito contentes!