Coitadinhos de nós que acordamos para ir trabalhar depois de tantooos dias libertários.
Pessoalmente foi custoso ontem. Uma pessoa passa uns dias a passear, a tomar banhos de mar e de sol, a ler livros calmamente, com o telemóvel desligado ou a receber apenas chamadas daquelas mesmo boas, das que nos convidam para ir beber caipirinhas e comer caracóis e ir beber cafés e ir à praia e depois vem a segunda feira e abruptamente entra-se na espiral da maluqueira laboral, assim… de repente… logo de manhã… sem prelúdio, sem nada…
Ora eu sou uma rapariga muito positiva, mas tenho dias. Constatei desde logo que me falta precisamente um mês para abalar daqui para outro sítio. Por pouco tempo é certo, mas agora isso também não interessa. Fiquei melhor. Muito melhor.
A seguir começou a trovejar.
E depois começou a chover. E eu sem carro que decidi exercitar-me e fui a pé.
Às vezes é difícil manter o optimismo.
Antes de sair estive a ouvir um colega a dissertar sobre os mitos urbanos que grassam sobre este tempo. Para quem vai a pé para casa não é coisa boa de fazer. Constatámos que ao tempo de trovoada estão associadas histórias desgraçadas, impossíveis de comprovar factualmente. Cada uma quase dava um fado.
- num dia de trovoada como o de hoje um senhor passeava, não se sabe onde, nem quando, nem porquê, na praia. Tinha um molho de chaves no bolso, também não se sabe se era porteiro ou outra coisa qualquer. De repente um trovão, dois trovões e o terceiro atingiu o pobre homem que morreu de modo fulminante;
- num dia de trovoada como o de hoje uma rapariga nova fazia jogging na praia. Tinha uma pulseira metálica. Lá veio o trovão. Morreu. A praia estava com muita gente e foi logo ela, proprietária de uma bracelete, a desgraçada a quem o raio tinha de atingir. Pode ter sido há muitos anos ou o ano passado, não há possibilidade de datar ou contextualizar melhor a história, ela circula por aí.
E depois lá fui eu para casa, a pé, a olhar de viés para o céu e para as minhas sandálias que têm uma pequena fivela metálica, mais as minhas pulseiras de latão e o meu fiel anel de prata, com as chaves dentro da mala, mas com muito medo de perecer e tornar-me também eu numa história esquisita… num dia de trovoada como o de hoje uma rapariga nova, muito gira e trabalhadora, tinha acabado de sair do trabalho. Ia a pé para se exercitar. Podia ter ido de carro, mas precisamente nesse dia tinha escolhido ir a pé. Tinha duas pulseiras metálicas fininhas, uma cinzenta e outra lilás; mas foi o anel de prata, muito grande, quem a atraiçoou. Lá veio novamente o trovão e...
Bem, quando cheguei a casa foi um alívio. Conversa mais parva de se ter no final de um dia assim…
Hoje a conversa mudou: a senhora da limpeza augurou catástrofes mercê da conjunção calor exótico- céu nublado.
Como se vê, o optimismo português anda pelas ruas da amargura...