
Era comprida e larga, tinha missanguinhas da mesma cor e uma gola generosa, agora não serve nem a uma pessoa de 80cm. Foi a lavagem a quente que a matou.
Também seriam, é verdade. Mas estou numa fase economicamente comedida, por isso arranjei alternativa.
Quando estou assoberbada de trabalho, costumo acordar misteriosamente a meio da noite a pensar nos e-mails de trabalho enviados, mais aqueles que deverei enviar, depois o meu pensamento entorpecido passa para um relatório que de tão atrasado já me cheira mal e depois ainda e, sem nunca abrir os olhos, revejo uma série de contactos que terei de fazer para o dia seguinte. Reviro-me e salto, de um para o outro lado, na cama; às vezes chego a dar um ligeiro ar de malabarista-ginasta e consigo acertar com um cotovelo no meu bed mait e, com a sensação de estar cheia de sono demoro longos minutos para voltar a adormecer.
Isto passa-se de noite. De dia também sou muito activa. Tão activa, mas tão activa que as minhas colegas consensualizaram que é assim que eu consigo não engordar (!) e não há ninguém que as demova de tal.
Depois chego a casa e que faço? Na maior parte das vezes, leio. E para minha alegria até ando a ler muito. Cada semana, cada livro desde o início do verão com breve paragem pelas férias. E ainda consigo melhor: são livros bem escritos que para mim não há cá nada do género dessa desgraceira que é o Português Suave e afins (e sim, posso dizer que é um livro desgraçado e mal escrito, pois emprestaram-me e eu até lhe dediquei hora e meia de leitura e jurei para nunca mais, tamanha a tacanhez do uso que ali se faz da língua portuguesa a acrescer a ausência de alguma inovação numa estrutura narrativa tão gasta, tão gasta que até os livros daquelas edições de bolso de romances cor de rosa conseguem fazer melhor).
Mas quando chego a casa, cansada e com uma dor de cabeça de tanta preocupação laboral, o que é que me dá mesmo para fazer?
Aqui vai e por ordem:
Aspirar a sala + o hall+ a cozinha com seguimento imediato de uma lavagem vigorosa de esfregona por todo o chão + uma barrela de tapetes destes sítios.
E depois deveria estar cansada. Mas não. Estava a acabar de pôr os magros tapetes na máquina (magros porque isto dá-me assim quase mensalmente e de tão lavadinhos já perderam o pelito, eu sei) e sou assolada pela ideia de ir fazer... raviolis!
O homem de trinta anos ousou perguntar, carinhosamente-diga-se, no permeio desta actividade toda "não ?tás cansada? Eu faço o jantar." Claro que não! Era a minha vez e estas organizações domésticas são para ser cumpridas que assim é que deve ser e apetecia-me fazer massa fresca e portanto que sim, que ia fazer tudo de raiz, que era muito mais saudável, sem conservantes, sem aditivos, tudo cozinhado em casa como antigamente se fazia, que saberia melhor e esses argumentos que desencanto, nem eu sei de onde. E ele lá foi à vidinha dele, pois reconheço que quando estou assim também não me apetecia fazer companhia nem a mim própria.
E lá fiquei eu, nas três horas seguintes a fazer massa, a amassar a massa (passo a redundância), a bater na massa, a envolver a massa em plástico para ela levedar, a encher de nódoas o meu petit livro de cozinha, a lavar a loiça que ia sujando, a fazer a bolonhesa ao mesmo tempo, a recortar a massa, a fazer cartuchinhos que, no fim, pareciam rissóis gigantes...
Começámos a jantar para aí às dez e meia. Não ficou nada de especial! Mas fez bem para divagar enquanto esmurrava a dita (só para não usar "massa" outra vez) e uma consulta no psicólogo seria decerto mais cara e não encheria duas barrigas.
Imbuída deste espírito e como a semana foi para esquecer já convidei uns amigos para virem cá jantar hoje. Se isto continua assim tenho mesmo de ir às compras.