. Bom dia
. Finalmente, toda uma cole...
. O que é a amizade depois ...
. Da epifania televisiva de...
. Hoje constatei que é dia ...
. Discurso directo I e II (...
. Os dias em que todos nós ...
. outros lugares
. grilinha
. leelala
. oh joy
. the busy woman and the stripy cat
. Blogs de outras mães (e pais)
. mãe 360
. caco mãe
Se eu soubesse o quão maravilhoso e avassalador da condição tinha começado a procriar aos vinte e poucos e havia de ter agora uma horda de picolinas e picolinos à minha volta. Mentira! Até era bom se eu fosse muito rica, filha de ricos e esposa de um rico, não trabalhasse, tivesse uma ou duas empregadas e uma grande casa com quintal. Não, quintal é suburbano. Com jardim.
Durante muitos anos até pensei nunca ser mãe. Depois passou o tempo e a idade aumentou. Depois já queria. Não era um "já" petulante, era um "já" sentido. E depois não engravidava. E tentei e tentei. A bem dizer, tentámos. Estou a falar é, claro, na minha perspectiva, feminina. Daí o tentei. Porque isto de se tentar engravidar e não se conseguir tem um lado fofinho de colectivo a dois, mas tem um lado perverso de egocentrismo de dois, a dois.
Não gosto mesmo nada de falar disso porque me atinge o coração. Sendo, ao mesmo tempo, uma situação alheia a nós está entranhada em nós. Querer ter um filho e não conseguir é uma das mais injustas disposições cósmicas. No fundo é de uma aleatoriedade atroz, um bullying existencial que nos coloca, muitas vezes, contra outros, por comparação, por tristeza, por incapacidade. Demorou quase 4 anos a demanda e oscilou por vários caminhos, médicos e pessoais, desgastantes. Tão desgastante física como mentalmente. Nesse entretanto, toda a gente à minha volta resolveu ficar grávida. Era a colega, a grande amiga, a amiga da amiga, a outra colega. Toda a gente a apanhar o autocarro e ficava lá eu sentada. Era assim o sentimento, mas mais complicado. Não vale a pena falar das pessoas que conheci quando clinicamente avançámos para o esperado "bingo": desde o médico insensível, cirurgicamente objectivo a outras pacientes, uma delas tão obcecada que funcionou para mim como um estalo na cara. Há coisas que são demais. Há que saber parar. E parámos. Sem bingo. Encurtando, seis meses depois estava grávida sem fazer nada (salvo seja, sem fazer nada com a ajuda da medicina). Ainda hoje pensando nisso e contra percentagens tão baixas de boas probabilidades, continuo a achar que se existem milagres, eu fui bafejada com um no dia em que soube que estava grávida.
Ser mãe é por isso e para mim a grande prenda cósmica. Eu pensei muitas vezes que já não seria. Isso fez de mim uma mãe que sabe ter muita sorte por ter uma filha. Não é ela a sortuda, no fundo, sou eu porque ela me dá muito mais a mim, todos os dias. Um filho torna-nos mais humanos quando estamos predispostos para o ter. Ser mãe é uma alegria tão grande que se acorda contente, mesmo quando se dormiu mal porque se é mãe e as mães acordam sempre que as crianças espirram, toda a gente sabe.
No outro dia fez-me muita confusão ouvir de uma rapariga que o filho é o seu projecto de vida. Já o tinha ouvido de um homem há uns tempos, mas desta vez fiquei a pensar. E não. Não me faz sentido. Os projectos seguem um rumo organizacional e funcional com um propósito que traçámos. Como é que se pode traçar o objectivo do filho? Ele lá há-de ter os seus. E se aquilo que projectámos não for o resultado. Falhámos? Assumir um filho como um projecto de vida é despersonalizá-lo. Isso é o reverso da negligência, ou outra parte. Apesar da dificuldade para ter um filho sei perfeitamente, e espero nunca me esquecer disso, que aquela é uma pessoa única. Diferente de mim e ainda bem que eu também não quero um clone meu, pessoa com muitos defeitos. Quero é que seja uma pessoa muito feliz porque isso é meio caminho andado para viver uma vida muito boa. No meio disto tudo percebi que, apesar de não ter na minha filha o meu projecto de vida, tenho-a como a minha prioridade, na atenção, paciência e preocupação constante de me colocar no seu lugar. Mas grito, às vezes, sou uma mãe muito mediterrânica. A rapariga do filho como projecto de vida disse que nunca gritava (por breves segundos fiquei a sentir-me muito mal, depois achei que ela também não batia bem). Nunca. Fogo. Como é que ela faz? Bate primeiro com a cabeça na parede e depois vai lá tentar convencer um puto de três anos a não engolir um garfo? Fica 2 horas a pedir-lhe desculpa por não poder pegar fogo ao sofá? Eu quando grito é quando já me passei e até sou muito assertiva: Larga já isso que já te disse mais de duas vezes porquê e já me estou a passar!!! E ela larga, com olhos esbugalhados de quem percebeu que eu já me estava a passar. Isto não acontece muitas vezes, daí o bom resultado do grito. Ela percebe que eu também me passo. Não é mau. Sou uma mãe humana e não me consigo autocontrolar roboticamente. Às vezes a paciência já ficou lá atrás e 25 birras depois, grita-se. É espectacular.
Ontem quando estava a olhar para ela (e para um arranhão na cara que há-de ficar uma bela marca porque ela o escarafuncha todo, safada da rapariga que não deixa crosta naquilo) lembrei-me de quando não a tinha e de como nunca mais a minha vida voltará atrás. E fiquei muito contente. É realmente um grande mistério humano, a maternidade. Uma coisa sempre física que começa no nosso interior e não se desliga quando eles nascem. E não é só cultural, responsabilidade de centenas de anos a procriar e a criar como a sociedade manda e exige das mães. É outra coisa mais primitiva, instintiva que nos levaria a fazer tudo por aquela pessoa que é parte de nós, literalmente. Agora já fala e anda e tem muitas vontades, a diva. E tem uma ingenuidade e lógica tão diferente das nossas, os adultos. É comovente ver como o mundo é aos dois anos, novamente. Tão alegre, tão básico, tão descomplicado, tão ameaçador, tão simples.