O meu carro vai ser deserdado; já prometi a mim mesma que quando regressasse das férias, que resolveu tirar sem permissão, passarei a tratá-lo tão mal, tão mal, em formato vingança chinesa, só para ver se aprende a não morder a mão que, literalmente, o alimenta.
Passa uma pessoa a vida a ter cuidados extra com aquele monte de lata para, quando menos se espera, nos deixar à chuva, numa bomba de gasolina, à mercê do empurrão alheio, ali, a olhar para ele, à espera de um reboque que demora uma eternidade a chegar.
-“Ai, credo! Tem pintinha de ferrugem na pintura!”. Vai o produto anti-ferrugem, mais a tintinha da cor original para disfarçar.
-“Ai, o vidro não sobe, só desce e desce até deixar de ser visto”: “Ò sr. mecânico, veja lá o vidro. Ah é o elevador? Tem de se comprar a peça completa. Pronto, ´tá bem”.
-“Ó sr. mecânico ele hoje não travou, fez uma rotação quando travei que ainda agora me dói o pescoço… Ah, precisa de calços…? Pronto, ´tá bem, venham de lá esses calços. Ah e depois tem de mudar o óleo dos travões…? ´Tá bem, ponha lá isso a funcionar.”
“Ó sr. Mecânico, para pôr a marcha-atrás, o carro guincha por todos os lados, veja lá isso que fica tudo a olhar para mim, até parece que fui contra alguma coisa!” –“Ah, pode ser o selector de mudanças… Ah, afinal não é, é a caixa. Ah, e é muito caro…? Quanto?! Pronto, ´tá bem, mude lá isso… (que eu vou tirar o resto do dinheiro das poupanças domésticas que nunca chegam a crescer nada por causa da lata velha).
Quinhentas mil coisinhas depois, o estúpido resolve deixar de andar!
Se eu andasse para aí a partir muros e a arrancar sinais de trânsito com ele, tudo bem, compreendia-se. Agora eu, tão ciosa das minhas coisas, que o acudo sempre que precisa, que faço uma revisão anual, fora as vezes que são precisas, tão cheia de cuidados para que nunca me aconteça uma coisa destas à traição e pumba. Vai-me parar logo numa bomba de gasolina, entre o carro da frente e a outra meia dúzia que estavam atrás, num dia de chuva e à noite, quando eu não tenho o telemóvel carregado, quando (imagine-se!!! que isto de dizerem que um azar nunca vem só é mesmo verdade) o multibanco da bomba tem metade das teclas sem funcionar!!! E mais, quando eu tinha uma sessão de cinema combinada e estava em cima da hora.
Agora está na oficina e continua parvo. Aparentemente depois do problema da ignição resolvido, vai-se a ver tinha duas velas avariadas e depois disso já se descobriu que o óleo cai nas velas e agora são as escovas e as juntas do motor de arranque. Já me conformei. Só vou ter carro para a semana. Isto se não aparecer mais nada que como diz o mecânico (que até parece que não, mas é de extrema confiança) “não se descobrir mais nada”, pois que a lata velha aparentemente é cardíaca e também “tem o motor cansado”.
[o carro tem 12 anos, pá. Não está a cair de podre. Para idade de carro ainda é novo, ou não? E eu não sou louca, a antropomorfização da viatura é só uma forma de descarregar a ira sem chatear mais ninguém.]