Eis finalmente essa continuação tão aguardada (?!) do meu ensaio sobre esse tema tão actual que relaciona mulheres e motas no mesmo contexto. iupi!!!!
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Continuando, portanto...
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A minha pessoa, no que se relaciona com motas, vive em contradição absoluta como já puderam antever no último post desta natureza. O meu motard de trinta anos não consegue compreender esta minha intrínseca contradição, mas vai percebendo e respeitando o meu estado de espírito motard, mais do que tudo, muito volátil e que muda graciosamente, acompanhando as estações do ano.
Eu gosto de andar de mota no verão e na primavera, sentir as curvas e contracurvas em simbiótica perfeição com o meu corpo; as inclinações e as descidas; os rompantes do vento e as suas mudanças de direcção; o sol no meu rosto; aspirar profundamente o ar no topo de um motociclo. Chegar à praia antes do resto do mundo; não ficar parada numa fila de carros interminável e ter sempre um estacionamento garantido “mesmo ao pé” são vantagens práticas. Percorrer a serra e dizer adeus aos autóctones que olham para nós como se tivéssemos acabado de chegar da lua, mas que retribuem efusivamente o aceno; ouvir os miúdos à beira da estrada a gritarem “dá-lhe gás” (expressão estranha, mas no cimo da mota muito contextualizada) e fazer-lhes a vontade (ficam tão contentes)...
Eu não suporto andar de mota à chuva; odeio sentir frio e o desconforto do excesso de vento que me empurra a cabeça para todo e qualquer lado; a dor lombar, fininha ao princípio e aguda, já no fim, provocada pela má postura continuada numa viagem longa; o frio de rachar e de anestesia que me enregela até muitas horas depois da viagem ter terminado, as caimbras nas pernas e a sensação de corpo moído. A horrível impressão da chuva e do frio potenciada pelo vento quando se está a mais de 50 quilómetros do destino e toda molhada, o cieiro e o pó na cara...
Mas a coisa que mais me irrita, mas mesmo mais. Aquela coisa que me deixa louca e num crescendo de irritação inaudível à espera de um pequeno motivo para irromper é mesmo o facto de quando se sai de mota não valer a pena nos arranjarmos. Sair de mota significa que não é necessário escolher acessórios, nem malas, nem nos pentearmos, jamais colocarmos brincos ou pulseiras, colares só se muito acondicionados, ganchos e fitas, impossível; maquilhagem só se gostarmos de sermos confundidas com o Batatinha... Sair de mota só mesmo quando não se tem uma festa combinada, ou uma saída para jantar ou um cinema ou nenhum outro evento que meta não-motards porque ficamos sempre a perder: uma motard pendura está esteticamente deslocada se colocada no meio de convivas automobilísticos, pedestres, rodoviários, metropoliteiros ou mesmo cicloturistas.
Com tristeza já me vi, apear-me da mota à porta de um restaurante onde, no interior, se encontravam outros convivas não motards para celebrar o aniversário de um amigo comum. Já não ia lá muito bem disposta, pois, para além de não poder vestir uma sainha bonita e novinha que tinha, enfiei umas calças de ganga; para não ficar amarrotada vesti uma camisola justa e sem graça; para não me acontecer o mesmo que à Isadora Duncan (para quem não sabe morreu estrangulada pela sua écharpe que ficou presa à roda do carro descapotável) nem coloquei um colarzinho; para não me auto mutilar, nada de brincos (com capacete?!) e, para não ficar com o cabelo hiper acachapado, não o amarrei; tinha acabado de pintar as unhas e quando tirei as luvas constatei que ainda não tinham secado totalmente e tinha de aguentar 10 dedos esborratados que, se fossem de outra pessoa era coisa que não me afectava, mas eram meus e não tenho por hábito andar com acetona na mala. Retirei o capacete e o meu cabelo parecia a minha primeira esfregona, ainda hoje a uso: um novelo emaranhado de todos os fios e micro fios capilares, soltos do interior do capacete durante o percurso; umas olheiras horríveis, mercê do frio e das estaladas que o vento me ofereceu durante a viagem; procuro na mala e quê?! Esquecera-me da escova, do batom do cieiro e sentia-me horrorosa. Não há boa disposição que aguente e o meu id tomou conta de mim. Desatei num monólogo de recriminações em crescendo de volume dirigidas ao dono da mota que, nestas situações, se comporta como um monge, daqueles da ordem do voto do silêncio, o que também atira umas achas para a fogueira da minha irritação, mas isso é outra história...
Assim, para quem estava à espera de mais, eu avisei que era um post muitoooo subjectivo.
As últimas recomendações, principalmente àquelas que, sendo mulheres gostam de se sentir bem, são deixadas com base, mais uma vez, na minha experiência e dizem respeito a bens essenciais a transportar para o nosso próprio bem estar, sejamos apenas penduras ou motoqueiras a sério:
- uma mala ou mochila-amalada suficientemente grande para lá caber:
- uma escova
- batom para prevenir o cieiro
- toalhetes hidratantes para limpeza do rosto
- um cremezinho hidratante para o rosto também
- amaciador da melena, daqueles que se podem colocar a seco, pois ajuda a desemaranhar cabelos mais rebeldes
- um elástico para o cabelo, se amarrado diminui-se a probabilidade de se sentirem a usar uma peruca após retirarem o capacete. Uma fita elástica também pode ajudar a esconder o cabelo mais despenteado e dá sempre um certo estilo
- lenços de papel: andar de mota deve ajudar a limpar as vias respiratórias...
- um “passa montanhas” (que são aqueles carapuços grandes que a geração nascida em 1970 usou quando bebé e que deixa apenas a cara de fora, protegendo também o pescoço) ou um simples lenço para proteger, além do frio, dos insectos.
Concluindo:
*Para mim mota só de verão; de inverno, nunca mais longe do que 50 km, mas posso afirmar que gosto, mas condicionalmente; para o meu rapaz de trinta anos, a mota é incondicional, facto que eu muito respeito, mais espiritualmente, pois nem sempre o acompanho, mas é um facto que me espicaça o interesse antropológico sobre o tema.
*Concentrações motards só até 200 motas. Para cima disso é exagero e sinónimo de ausência de condições de higiene, poeira, comida péssima e aumento das probabilidades de não se conseguir dormir de noite com motas a chegar, motas a partir, motas em relantim, ratares e outros sons estranhos... Eu não gosto da Concentração de Faro (à qual já acorri uma vez) precisamente pelo excesso de tudo.
*Ter uma mota na nossa vida e usá-la exige condições: vestuário e protecção adequados.
*Andar à pendura ou conduzir uma mota deveria estar reservado às pessoas que garantidamente possuem um espírito cívico indiscutível e um grande sentido de responsabilidade: respeitar o Código da Estrada é uma frase com um peso muito importante para um motard (para a maioria dos que conheço é; deveria ser também para os miúdos imberbes que fazem rotundas aos cavalinhos), mas infelizmente não o é para todos os automobilistas. Da minha experiência afirmo que os grandes perpetrores de acidentes com motards são automobilistas, com culpa (daqueles que propositadamente e por despeito- inveja?- atiram com os carros para cima das motas num espírito selvático de “não posso passar porque o meu carro é grande, mas tu vais ficar aí atrás também!”) e sem culpa (também eu já ia empurrando um motoqueiro para a faixa contrária, simplesmente porque me ultrapassou pela direita (!!!), mas mesmo que o tivesse feito pela esquerda, não tinha visto e não ouvi sequer a mota).
*Os motards não correspondem ao preconceito instituído (muito à conta dos hells angels e dos filmes americanos) que alimenta um imaginário estigmatizado onde os motards são gordos, brutos, feios, ignorantes, porcos e selvagens, delinquentes, presidiários ou alcoólicos e elas, ainda são piores do que eles. Em 10 anos de convívios motoqueiros conheci várias pessoas e casais, de diferentes faixas etárias, com diferentes graus de ensino, com as mais diversas ocupações, desde professores a auxiliares, enfermeiros a mecânicos, empregados de mesa, informáticos ou advogados. Nunca, em nenhuma concentração ou passeio, vi ninguém colocar-se alcoolizado em cima de uma mota para a conduzir e nunca, mas nunca mesmo, em ambiente motard, ainda hoje mais masculino do que feminino, me senti intimidada.
* Ser motard é transversal à classe, à profissão, a aspirações sociais ou profissionais, à idade ou ao nível cultural, é, no fundo, um estado de espírito que se compartilha e se aprecia compartilhar. Uma forma de socializar e se sentir parte de um universo de pessoas unidas por um interesse comum. Ser motard sintetiza, na maior parte dos casos, um respeito pela natureza e pelo lugar do homem na natureza; o gosto de descobrir, pelos sentidos e na proximidade, os cheiros, sons, as cores dos lugares e as pessoas que neles habitam. Em última, ou primeira, instância andar de mota incorpora e materializa a necessidade, muito humana e primordial, de reconfirmar à nossa essência humana que somos livres para partir, com ou sem destino, descobrir, naufragar e regressar, quase como se as motas fossem asas e a estrada um interminável e desconhecido caminho libertário que afasta de nós, à medida que a percorremos, todos os problemas e dúvidas reais numa terapia barata e colectiva.
E para a próxima terminarei esta minha dissertação pessoal com uns blogs muito engraçados que descobri (infelizmente ainda poucos) de mulheres motards e uns sites que só ao nosso género fazem falta...
Me aguardem...
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actualização 1 hora depois:
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epá, nem de propósito, acabei de fazer o mesmo teste realizado pela
dona de casa e eu, se fosse, um hit dos anos 80 era este: