Há acontecimentos cuja importância é dada no imediato; é possível antever reacções e conjunturas e relacioná-las prospectivamente e, a seguir, vem sempreeee alguém de reconhecido mérito político-analítico à televisão, rádio, jornais, revistas cor de rosa e diz: “Estamos a viver um momento histórico.” E a gente, pois, acredita. O especialista é o homem. Às vezes até precisamos de realizar um grande esforço de abstracção para perceber as consequências de um acontecimento e acompanhar os raciocínios paralelos; outras, nem por isso; as coisas estão lá e é quase tão óbvio que, sim, estamos realmente a viver a História.
Isto, para além de me lembrar a minha professora de História do 12º ano e a sua fixação no esquartejamento do conceito de Tempo Longo, faz-me interrogar se, enquanto andamos por cá, na nossa vidinha, não estaremos também a tropeçar na História e nem damos por isso quer porque no momento em que as coisas acontecem realmente não se pode antever a sua órbita de consequências, quer porque hoje já estamos tão ligados ao resto do mundo que a informação que recebemos é tão em excesso e todos os dias acontecem coisas neste mundo que, neste afã diário, quase ninguém tem tempo para pensar a fundo nestas coisas (para além dos analistas políticos).
Fiquei encalhada neste raciocínio muito senso comum desde há dois dias quando, no meu sofá, vi a emissão ser interrompida devido aos atentados ao presidente da República de Timor.
E nestas coisas da História, isto é tudo muito bonito, mas o que fica aqui na cabecinha do pessoal é o que estávamos nós a fazer quando X evento aconteceu (pelo menos a mim, retrospectivamente). Isso acentua-me a constatação de que somos mesmo um pontinho escuro no mapa da História. Insignificantes quase e, a ver as minhas lembranças, um pouco ridículos. Vai uma aposta...
Quando o avião do Sá Carneiro caiu, eu era xiripititi, vulgo mesmo chavala e que estava eu a fazer? A brincar com peças lego na sala da minha tia!
Massacre no cemitério de Dili? Pelo menos quando soube estava a comer um salame de chocolate no bar da escola secundária.
O ataque àsTorres Gémeas. E eu? A alambazar-me no restaurante num dia de trabalho!
O ataque de há dois dias? A enfardar umas torradas no sofá.
Hummm, comer e ver televisão...