daqui
Ora tenho andado arredada daqui, pois tenho. Acontece que a vida duma pessoa não é só isto. A vida duma pessoa anda a par e passo com a profissão duma pessoa. Com os lazeres duma pessoa. Com os hobbies duma pessoa. Ou andam todas em simultâneo, já nem sei.
Ora eu tenho andado tão intelectualmente espremidinha que já não sobra nada. A bem dizer poder-se-ia sempre ir dizendo qualquer coisa por aqui, mas eu não sou capaz. Quando não tenho nada para dizer, abstenho-me.
Não me apetece dissertar sobre o estado das coisas, nem dizer que me apetecia estar em Londres a gritar contra o norte e a favor do sul do mundo, não me apetece falar da Primavera, não me apetece partilhar o que ando a ler, nem a vestir, nem o champô novo que comprei e que me deixa o cabelo oleoso cinco horas depois,…
Estou desinspirada (palavra que o inculto corrector do word não reconhece), não confundir com apática.
Por isso e oficialmente, este blog vai começar a ter posts actualíssimos, mas bastante desisnpirados, parvos, fúteis e curtos, telegráficos, assim a fazer lembrar o estilo que eu sempre admirei da Marguerite Duras, uma frase que vale por cem parágrafos, só que sem o escol de conteúdo que era apanágio das frases da senhora.
Treinando:
Ela estava sentada.
Olhava-lhe a nuca pigmentada e contava as manchas acobreadas extensíveis pela superfície insigne. Da cabeça às orelhas, um retalho acolchoado de carne e pele e manchas.
A nuca tornou-se rosto e olhou-a.
O rosto falante não via a mulher.
Falava, mas a voz imitava uma gravação inócua. Centenas de palavras repetidas desde sempre. Era tudo novo, mas o novo era palavra já dita.
Cansada. Ouvia. Palavras enfadas, escolhidas, ordenadas. Frases articuladas duma boca mecânica.
O rosto fora humano. Agora nem a velhice lhe devolvia a proximidade.
A boca falava, mas só a casa pulsava. O rosto estava sozinho numa redoma viva e a mulher estava mais próxima da casa memória do que do rosto falante de palavras dirigidas para lá da casa.