que "a lógica é na verdade inabalável, mas não resiste a um homem que quer viver" e eu até vou afastar este livro de perto de mim, pois senão ainda acabo num degredo nihilista sem retorno.
Quando os senhores abstractos que assinam como da Direcção Geral de Finanças sub-repticiamente me manipularam até eu estar perdida nos canais kafkianos e pedir on-line um nº electrónico para a minha pessoa contribuinte eu jamé, jamé pude pensar que era para passar o tempo e fazer partidas matreiras às pessoas incautas como eu. Mas, vai-se a ver, e é.
Ando eu para aqui, fresquinha e airosa, acometida de crises de ansiedade profunda que me fazem consultar o meu banco directo e on-line de meia em meia hora para ver se já recebi o meu IRS que supostamente deveria ser pago até 31 de Agosto e o que é que eu descubro hoje depois de ter conversado com o meu banco e quase ter acampado à porta das finanças da minha aldeia?!
Descubro que o significado da palavra "LIQUIDADO" no meu recibo de cobrança on-line, na realidade (atenção! na realidade real de eu ter já conjunturado que, desde dia 18 liquidado era liquidado e, perante tamanha redundância, só poderia acontecer que algo se havia passado e que um hacker informático me poderia ter desviado os meus tostões algures nessa transacção virtual entre as Finanças e o Banco), na realidade, "LIQUIDADO" significa "PARA COBRANÇA"!!!
Ah! Ah! Ah! Ah! Grrrrrr!!!!!!
Onde?! Como?! Pergunto eu à senhora de mise descaída e ar enrugado e cinzento que tinha, qual guilhotina, uma placa com o nº do balcão mesmo em cima da tola. E eu, com medo que a placa descaída ainda me caísse em cima, desviada e a tentar explicar a situação:
- "Pois, desde dia 18 que diz liquidado e eu não tenho o dinheiro na conta. Demora assim tanto? Há algum problema? Ah? Ah?
E ela, lentamente, de pescoço hirto, secamente:
_ O cartão de contribuinte.
E eu, a tentar algum sinal de empatia e compreensão:
_ Está aqui. Veja lá. È estranho, não é.
E ela, a 0,001 à hora, vira os olhitos para mim e diz-me o imponderável:
_ Não é nada estranho. Estou a ver aqui que ainda está para cobrança.
_ Então, mas quando eu entro com o nº que o choque tecnológico me fez cair ao colo diz lá "liquidado". Isso não quer dizer que está acabado, está pago, finito, volta cá para o ano?!
_Uma coisa é o que você vê e outra a informação que nós temos.
Ah, está bem. Muito obrigado pela atenção, desculpe lá qualquer coisinha. Para a próxima vez que a incomodar trago uns bolinhos e ainda lhe dou uma gorjetazinha pela o incómodo causado...
Isto deveria ser o que a alminha pensava receber ante a resposta que me deu. Mas não. Um espírito reivindicativo apoderou-se de mim e lá fiquei eu a expressar a minha indignação. Qual é a graça (já para não perguntar a idiotice) de se colocar uma coisa, quando, na verdade, essa coisa não corresponde à realidade. A minha pessoa contribuinte não tem mais nada para fazer do que andar a preocupar-se com uma dívida (pois, que hoje já é dívida que o prazo para me pagarem o que devem terminou dia 31) culpa da inaptidão das (como carinhosamente toda a gente lhes chama) Finanças?! E os juros? Ah, pagam. E posso cobrar multa, tal qual o Estado me cobrava a mim quando me atrasava, num dia que fosse, a pagar o IVA? Ah, não posso... Pois não tem "lógica". Ah é? Os contribuintes não podem multar o Estado. Ah... E vai demorar muito? É que o dinheiro é meu... só para saber, tipo vai demorar até ao Natal ou antes, ou depois? Ah, mais umas semanas, pois... mas sabe, isso é muito vago... Depois ainda ponderei pedir o livro amarelo. Depois desisti. Vou pedi-lo quando me pagarem e depois vou à DECO. Há-de haver maneira de me conseguirem explicar o porquê de me mentirem descaradamentesobre a situação do santo IRS e no que é que isso contribui para a tal aproximação das pessoas às instituições de que dependem.
E lá estava a senhora, cinzenta e macilenta, a ajeitar os óculos, com a mise cada vez mais torta e a levar comigo já a parvejar e a responder a tudo, tipo autómato. Fiquei com peninha dela. Depois calei-me e vim-me embora a sentir que, nesta porcaria de canais burocráticos, eu estaria sempre a perder. A perder tempo, paciência, pele lisinha e macia, horinhas no trabalho e que não ganhava nada.
E, pronto, fico à espera que o Estado me pague o que me deve, com os tais juros, em casa e calada, a olhar para o recibo de cobrança on-line e a ver lá "liquidado".
Moral desta história:
sinto-me como um burro, a andar para a frente só porque lá ao fundo estão as "finanças" com uma cenoura pendurada.